quinta-feira, 7 de novembro de 2013

História, amigos e cinema

por Aline Sant Ana

Foi assim: meado do primeiro semestre, a faculdade ainda não tinha tomado os 98% da minha vida, de modo que eu podia dedicar a minha criatividade e o meu ócio (que neste tempo não estava relacionado à criatividade) para escolher um bom livro e, quem sabe, pegar um cineminha. Daí, me acostumar com a ideia de que em São Borja não tinha cinema, nem livrarias, nem sebos, me fazia acreditar que aquele meu saudosismo intelectual se perderia gradualmente.Eu pensei que eu ia emburrecer na faculdade. Foi difícil.

Naquela época eu ainda não conhecia o torrent. Eu também não tinha bolsa, o que dificultava a minha relação com o Submarino e a Estante Virtual. A biblioteca municipal ainda era escura e a bibliotecária não gostava de mim. Na universidade estávamos naqueles velhos tempos em que a biblioteca era enforcada pelo espaço das salas de aula. O começo da vida universitária não me oferecia outra saída para o entretenimento cultural, a não ser as praças públicas.

Um dia, na Pracinha da Lagoa, me reuni com alguns colegas de classe numa situação festiva que os nativos chamam até hoje de “junção”. Lá conheci o Renan Guerra. O Renan era daqueles caras tímidos, que pouco falam, mas que quando abrem a boca fazem você se sentir um idiota. Ele se disse cinéfilo e estava sóbrio, eu não (não era cinéfila e nem estava sóbria). Aí resolvemos conversar sobre cinema. Falamos sobre Tarantino, as tartarugas da praça, o vinho San Martim e um tal “Sessão Pipoquinha”, que o Renan tinha ouvido falar com alguém que ele conheceu (depois descobri que foi com a própria professora Mara, coordenadora do projeto).

Então resolvemos marcar de ir um dia para conhecer o tal projeto, que nos parecia ser um grande cineclube, já que a sessão seguinte estava marcada para acontecer na Câmara de Vereadores. Nós éramos cult, eu e o Renan, frequentando importantes cineblubes na Câmara, numa cidade que nem tem cinema. Mas aquela sessão, cujo filme foi “O banheiro do Papa”(que o Renan já conhecia, óbvio), teria algo de especial para nos mostrar.

Cena de "O Banheiro do Papa"
Após a exibição do filme, a equipe do GPHMídia falou o quanto a presença do público incentivava o cineclube, mesmo que, ao contrário do que acontecia ali, as sessões do projeto não pudessem ocorrer num espaço privilegiado. Naquele momento as palavras da professora Mara, como o apoio do caricato bolsista Luciano Costa (o “Miminzuku”), revelaram o quanto é difícil realizar um projeto para um universo tão grandioso, mas ao mesmo tempo, tão peculiar que é o cinema. Foi aí que descobrimos que no início da faculdade todo mundo quer ser cult e frequentar cineclubes, mas com o decorrer do tempo a nossa luta é apenas pela sobrevivência. Parecia ser isso que a professora Mara queria dizer quando, naquela mesma sessão, anunciou a abertura de vagas para bolsistas voluntários no GPHMídia: precisamos sobreviver e o projeto não pode morrer.

Só tinha uma vaga para bolsista do Sessão Pipoquinha. As outras vagas eram para ser bolsista de pesquisa em História da Mídia. Aí eu pensei: “Pow, o Renan vai concorrer, acho melhor eu tentar pra outra ou não vou ter a mínima chance. Mas eu quero trabalhar com esse pessoal”. Foi a decisão mais inteligente que eu fiz. Me inscrevi para ser bolsista voluntária de uma pesquisa voltada para a história da mídia e política, sob orientação da Mara. O processo seletivo foi bem puxado, mas passei. Acho que no fundo eles estavam querendo nos colocar à prova dos nossos sonhos, pois, ainda que as perguntas da seleção tenham sido complexas, no fundo elas queriam dizer: “Caro bolsista, você estará conosco para o que der e vier? Mediante problemas técnicos, falta de grana, possíveis desavenças e inveja alheia?”. Mesmo se a perguntas fossem essas, a resposta seria sim.

A resposta seria sim caso a pergunta me pedisse para estar com eles nas sessões que só iam apenas três pessoas. Ou se me pedissem para fazer saquinhos de pipoca para o público. Ou ainda, quando tudo estivesse dando errado, tirar um filme da manga que pudesse ajudar.

E mesmo que nada disso tenha sido combinado ou exigido pela equipe do pipoquinha, valia a pena estar ali. Sempre valeu a pena fazer parte dessa equipe, cujas reuniões regadas a biscoitinhos e um humor ácido, reúne o que cada um teve de melhor para oferecer: uma bonita amizade.

Os integrantes do GPHMídia reunidos durante o Alcar em Guarapuava/PR, 2011
  

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